[18+] A Montanha Sagrada: o filme mais louco de todos os tempos

Nota do editor: antes de ler qualquer linha deste artigo, dê play no trailer abaixo. Se ainda tiver coragem, siga para o texto. E boa sorte.

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Uma das reclamações feitas a respeito de meu primeiro artigo para o PdH (e que considero totalmente procedente), é a de que escrevi sobre um livro que ninguém encontra, que está esgotado há décadas no Brasil e cuja última edição americana foi publicada quase três décadas atrás.

 

Pior ainda, ninguém tem notícias de uma versão on-line da obra para download, nem mesmo nas melhores biroscas de pirataria da Internet.

 

Me culpa, mea maxima culpa, confesso. Para redimir meu pecado, desta vez decidi escrever sobre algo que pode ser, com pouco esforço, encontrado na rede. E podem baixar sem remorso, pois dificilmente encontrarão em uma locadora.

 

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Trata-se de um filme. Na verdade, o filme mais maluco jamais criado.

 

Imaginem que Salvador Dali consumisse uma substância alucinógena e decidisse que não iria pintar um quadro, mas produzir um longa metragem. Ainda assim, no meio de sua mais ensandecida viagem licérgica, o mestre do surrealismo espanhol não conseguiria criar algo tão psicodélico quanto A Montanha Sagrada de Alejandro Jodorowsky -- ou, como prefiro chamar para não gastar dedo, "Jodô".

 

A biogravia de Jodô já é, por si só, uma piração. Nascido no Chile, é filho de um casal de judeus ucranianos, singelos comerciantes que imigraram para a América do Sul. Aos dez anos de idade, trabalhava como palhaço de circo e fantocheiro. Aos dezessete, tornou-se mímico e ator. Aos dezoito, matriculou-se nos cursos de Filosofia e Psicologia em Santiago do Chile, mas, dois anos depois, abandonou tudo para escrever peças de teatro. Foi em seguida para o México, onde se tornou discípulo do mestre zen Ejo Takata.

 

Mas foi ao se mudar para Paris que Jodô ganhou fama internacional e um bom dinheiro. Como era de se esperar, seu sucesso veio de modo estranho. Tornou-se célebre por escrever histórias em quadrinhos para adultos, obras populares nas quais utilizava os arquétipos estudados pelo psiquiatra e psicólogo C. G. Jung. Depois da fama, ele criou, junto com sua esposa, uma filosofia maluca chamada "psicomagia" e uma teoria doida que batizou de "psicogenealogia". Elaborou ensaios sobre o simbolismo alquímico que há nas histórias do Pato Donald, criou romances de títulos estranhos como Os desejos Carnívoros do Nada, escreveu livros de não-ficção sobre os mais variados temas e, também, fez meia dúzia de filmes.

 

Seu primeiro longa metragem, Fando y Lis, foi produzido na década de 60. O filme era tão transgressor para época que, em sua sessão de estreia, obrigou Jodô a fugir de uma tentativa de linchamento pelo público (é uma lenda, mas preferimos acreditar que é verdade). Atacada pela imprensa, a obra foi defendida por Roman Polanski -- um sujeito tão legal que, convém lembrar, está proibido de pisar nos Estados Unidos sob pena de prisão.

 

Mas seu filme mais impressionante, apesar da polêmica, não foi Fando y Lis. Cinco anos após esse início atribulado de sua carreira cinematográfica, Jodorowsky produziu o mais maluco, o mais surreal, o mais psicodélico filme de todos os tempos.

 

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Chamou-o de A Montanha Sagrada.

 

Uma brincadeira pessoal que tenho é convidar meus amigos a assistirem A Montanha Sagrada e ficar observando suas reações, que transitam entre o choque e a indignação. No geral, as feições dos espectadores se resumem a um queixo caído e um olhar de incredulidade. É muito frequente soltarem risadas nervosas. Os comentários, na maior parte das vezes, limitam-se a expressões como:

 

— Cara, que viagem...

 

— Que é isso meu...

 

— What the fuck?

 

Assisti o filme diversas vezes e posso garantir: ele tem sentido. Bom, a menos eu acho que entendi o filme. E até poderia apresentar minha interpretação aqui, se ela não exigisse muito mais tempo do que tenho para escrever e mais tempo do que você, leitor, teria para ler. Ao menos por enquanto.

 

Algumas temáticas são óbvias. Jodô é, sem dúvida, um outsider. Por meio de um imaginário alucinado e repleto de ironia, em A Montanha Mágica escarneceu da Igreja, do poder político, do consumismo excessivo, da indústria bélica, da arte contemporânea, da especulação financeira, da opressão feminina, da exploração sexual de crianças, dos regimes totalitários, dos ideais absurdos de beleza, da credulidade religiosa e de outras tantas vitimas de seu humor ácido.

 

Mas Jodorowsky vai muito além no seu filme. Em A Montanha Sagrada, ele utiliza, de forma estruturada e metódica, vários símbolos mitológicos para falar sobre o desenvolvimento e o despertar do ser humano, inspirando-se nas teorias de C. G. Jung, Mircea Eliade e Joseph Campbell a respeito da verdadeira função dos mitos. Nada, na história, nenhum dos estranhos símbolos presentes em cada cena, é aleatório: tudo está ali por algum motivo.

 

Como Jodorowsky afirmou em sua famosa entrevista à revista Penthouse:

 

 

"(...) Símbolos podem ser muito perigosos. Quando utilizamos a linguagem normal, o espectador pode se defender pois nossa sociedade é uma sociedade linguística, uma sociedade semântica. Mas quando você começa a falar, não com palavras, e sim apenas com imagens, as pessoas não podem se proteger. E é por isso que um filme como esse ou você ama, ou você odeia. Você não pode ficar indiferente."

 

O final da história, em um anticlímax, leva o espectador para além do próprio filme, e propõe, de um modo irônico, que o objetivo de toda jornada mítica não é conduzir o indivíduo a algum ilusório paraíso espiritual ou a um fantasioso estado nirvânico, mas sim levar o ser humano a confrontar sua finitude e aceitar integralmente seu lugar aqui e agora, neste mundo em que vivemos.

 

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Você pode até torcer o nariz diante do baixo custo de produção de A Montanha Sagrada, até pode fazer cara de nojinho diante de algumas cenas. Mas não irá, em nenhum momento, sentir tédio assistindo a obra-prima de Alejandro Jodorowsky, isso garanto.

 

A Montanha Sagrada, como disse, pode ser encontrado facilmente na internet, bem como a sua legenda. Qualquer dificuldade, é só falar comigo, não é difícil me encontrar por aí.


publicado em 28 de Maio de 2013, 07:00
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Victor Lisboa

Não escrevo por achar que tenho talento, sequer para dizer algo importante, e sim por autocomplacência e descaramento: de todos os vícios e extravagâncias tolerados socialmente, escrever é o mais inofensivo. Logo, deixe-me abusar, aqui e como editor no site Ano Zero.


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