A gente ainda não entendeu as Olimpíadas

Chegamos ao final das Olimpíadas. Medalhas foram ganhas, recordes foram batidos, histórias foram escritas e dúvidas em relação à marcação de pontos na esgrima foram resolvidas de maneiras que nos fazem pensar que as regras desse esporte em particular precisam evoluir urgentemente se os eventos quiserem continuar sendo televisionados num mundo preconceituoso como o nosso.

Ainda assim, com tantos momentos marcantes, tantos personagens esperados ou imprevistos e tantos casos de dor e superação, fica em mim uma uma sensação estranha. Menos a da magia, da grandeza do esporte e da união entre os povos no maior evento esportivo do mundo, e mais a de que ainda não estamos preparados pra lidar com uma Olimpíada no Brasil.

E não, não falo de obras, de estádios, de incentivos aos atletas, mas sim do fato de que aparentemente a nossa mídia e a nossa população ainda não entenderam direito como se deve cobrir ou como se deve torcer durante um evento desse tipo.

O primeiro problema, que nem se refere ao fato de que entrando em qualquer portal de notícias você pode notar que existe uma preocupação bem maior dos jornalistas com levantadoras de peso peludas, corredoras virgens e atletas bissexuais de handebol do que com os resultados em si – ainda que isso não seja exatamente uma exclusividade das Olimpíadas, já que esses dias um jornal publicou o mapa astral do Neymar – é o fato de que os nossos meios de comunicação parecem incapazes de entender exatamente o nível de competitividade de uma Olimpíada ou a situação do esporte no Brasil.

Dando destaque ao que merece

Cesar Cielo consegue um bronze nos 50m? Decepção. A lutadora de judô que absolutamente ninguém conhecia é eliminada por um golpe irregular? Vergonha. Diego Hypólito não chega às finais na ginástica? Precisa chorar na frente das câmeras e pedir desculpas perante a nação. Fabiana Murer não conseguiu realizar seu último salto e ficou de fora das finais? Cobertura extensa, flashes do salto que não foi realizado durante toda a programação e uma entrevista constrangedoramente longa na qual ela precisa se justificar pela decisão tomada, seguida de matérias com concorrentes informando que nunca fariam o que ela fez.

Ou seja, uma cobertura muito mais focada num nível de cobrança e exigência quase nunca justificados – como cobrar resultados se grande parte dos atletas treina com pouco ou nenhum incentivo e estrutura? – que muito pouco se preocupa em educar sobre o esporte, focando mais em pontuar fracassos, exigir explicações e em diversos instantes colocar a população contra os atletas, gerando o tipo estranho de torcida que acompanhamos durante os eventos desse ano.

Fica assim não, a gente ainda está entendendo como a coisa funciona

Estranho porque dá pra notar nos torcedores um certo grau de fúria e hostilidade com os atletas que, ainda que em parte alimentado pela cobertura do evento que eles recebem, não se justifica diante dos resultados que nós vemos. Não peço que sejamos pachecamente patriotas ou que torçamos em todas as competições como se fossemos o Samuel L. Jackson, só que a gente tente entender melhor o que são as Olimpíadas e quem são os atletas que nós enviamos.

Em primeiro lugar porque Olimpíada não é Copa do Mundo.

Se estamos acostumados a cobrar sem medo os atletas milionários da nossa seleção de futebol porque sabemos que eles vivem uma vida de luxo, ostentação e orgias com anões e jumentos totalmente diferenciada da nossa, o mesmo não faz sentido quando se trata de atletas de modalidades menores, que em boa parte treinam por conta própria, mantém outro emprego e recebem do governo um incentivo que mal cobre as despesas geradas pelo esporte. Esses são quase sempre atletas que, independente do resultado, mereceriam o nosso incentivo apenas por terem se classificado pra uma competição de alto nível, e não a nossa total e completa ignorância durante quatro anos seguida de críticas pesadas no único momento em que lembramos da existência deles.

Em segundo lugar porque na maior parte das vezes nós nem mesmo compreendemos o que estamos criticando. Quantos de nós conhecem mesmo as regras do judô? Quantos já jogaram pólo aquático? Quantos entendem as particularidades de um salto com vara e não têm apenas uma vaga ideia de que deve ser parecido com andar em pernas de pau, só que com russos por perto e sem a roupa de palhaço?

Mesmo assim, mal-informados, criticamos os atletas por falhas que nem mesmo compreendemos, em modalidades que nunca vimos antes, baseados na opinião de meios de comunicação que não saberiam diferenciar handebol, squash e pelota basca se a vida deles dependesse disso.

Se você chama Badminton de "tênis com peteca", melhor não se meter a criticar

Logo depois vem, é claro, um certo desconhecimento do espírito olímpico e da função do esporte na sociedade que pode ser resumido no comentário recorrente de que “não deveríamos gastar dinheiro mandando atletas que não podem ganhar medalha”.

Quando alguém diz algo assim – não você, você jamais diria isso –, foge completamente do conceito que norteia as Olimpíadas, além de ignorar que o esporte é mais do que “uma fonte de medalhas”, é um foco de políticas públicas relacionadas a saúde, educação e qualidade de vida. Ou seja, investir no esporte é muito mais do que apenas garantir medalhas, e quando o Diego Hypólito cai de bunda ele não está necessariamente invalidando todas as políticas esportivas que o Brasil implementou nos últimos 100 anos.

Por fim temos a ideia geral, e mais assustadora, de que, por estarem representando o nosso país e estarem em parte sendo financiados com dinheiro público, esses atletas necessariamente nos devem alguma coisa. Essa ideia parece ter sido tão batida que até mesmo eles se sentem na obrigação de dar satisfações em caso de derrota, como se não fossem eles mesmos os maiores prejudicados quando um deles perde, é eliminado ou desclassificado. Afinal, nunca acompanhamos esses atletas, nunca torcemos por eles, as vezes mal compreendemos direito o que eles fazem – “como assim argola?” – então que direito temos de cobrar deles resultados com os quais nem mesmo nos importamos de verdade?

2016 é logo ali, como diria Fernando Vanucci

Por isso agora que já começamos a abandonar Londres 2012 e retomar a caminhada para o Rio 2016, quando nossos atletas vão estar mais próximos, em mais modalidades e ao alcance das nossas mãos – e dos nossos tomates e garrafas d'água e xingamentos – seria interessante pensar em como eles devem ser tratados e retratados e no quanto nós podemos oferecer ou cobrar deles.

Ou, sei lá, pelo menos parar de xingar o pessoal usando termos racistas no twitter, né? Acho que já seria um começo válido.


publicado em 20 de Agosto de 2012, 09:13
Selfie casa antiga

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)


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