9 ações pra contribuirmos com a igualdade de gênero, na prática

Atentar para expressões e xingamentos, sensibilizar família e amigos e refletir sobre o que consumimos são algumas sugestões

Nos últimos tempos, muito se fala em igualdade de gênero (ou equidade de gênero, igualdade entre os sexos, entre outras expressões possíveis). O termo está por aí, na boca de grandes celebridades de Hollywood, em vários textos na web, em propagandas de marcas conhecidas e nas universidades. Mas o que é?

Igualdade de gênero é um conceito que define a busca por equivalência social entre homens e mulheres, ou seja, mesmos direitos, deveres, privilégios e oportunidades de desenvolvimento.

Isso não significa, ao contrário do que a expressão dá a entender, que homens e mulheres devem ser sempre tratados como iguais ou terem o mesmo comportamento. Pelo contrário.

Como princípio, a igualdade só pode ser mesmo alcançada se olharmos com atenção e respeito para as características e necessidades de cada um, reconhecendo e respeitando as diferenças. O incentivo e estabelecimento de regras internas para maior contratação de mulheres e promoção de um número estipulado delas para grande cargos dentro de empresas são exemplos de ações onde é feita uma discriminação positiva entre os gêneros com o objetivo de diminuir uma desigualdade pré-estabelecida.

Falar sobre o tema parece ser coisa de gigantes. Assunto para discussão de cúpulas do governo, chefes de estado, políticas públicas e ações de grandes órgãos, como a ONU. E é. Mas também é assunto nosso, do dia-a-dia.

Quando parei pra estudar mais sobre igualdade de gênero, resolvi começar do começo. Ao invés de ler grandes teóricos e artigos acadêmicos, tentei entender onde, na minha vida, eu perpetuava desigualdade. E a constatação foi dolorida: eu estava acostumada a reproduzir comportamentos bem ruins.

Esse guia é pra isso. Pra gente tentar entender, junto, o que é igualdade de gênero na prática e descobrirmos o que podemos fazer, dentro das nossas realidades, pra chegarmos lá.

1. Pare de usar xingamentos que perpetuem valores de gênero

Ela fez isso com você, amiga? Nossa, que vaca!

Pra mim, xingar de vaca uma mulher que tivesse ficado com o namorado de uma amiga nunca foi problema nenhum. Afinal, ela fez besteira, não fez?

Pois é. Sem perceber, usamos muitas ofensas que reafirmam padrões de gênero e perpetuam valores machistas da nossa cultura. Explico.

No caso das mulheres, é normal xingarmos de "puta", "vadia", "piranha", além do típico "filho da puta", que vale pra todo mundo – xingamentos  que dizem que aquela mulher tem comportamento sexual ativo. Usamos também adjetivos como "interesseira" e "falsa", ligados ao mito de que mulheres são seres não confiáveis. Outros xingamentos bem comuns são os ligados à beleza e ideais estéticos, como "gorda", "feia", "baranga", e por aí vai.

O mesmo acontece com os homens, de outros modos. Chamar um amigo de "bicha", "viado" e "boiola" é normal entre os meninos. Chamar de "fracassado" e "vagabundo" também pega no bem calo deles. Isso porque esses xingamentos falam de prisões do gênero masculino: medo de apresentar qualquer característica que remeta ao feminino, virilidade, desempenho no trabalho e sucesso.

No geral, com esses xingamentos direcionados pra elas e pra eles, estamos retratando alguns valores ultrapassados da nossa sociedade: mulheres tem que ser contidas sexualmente, disponíveis e dedicadas ao cuidado dos filhos e da casa, além de silenciosas, recatadas e dentro dos padrões de beleza.

Enquanto isso, homem de verdade tem que ser aquilo que entendemos por machão: bruto, forte, corajoso, bem sucedido e, se for poderoso, melhor ainda.

Papai não come sorvete rosa

Se queremos tratar homens e mulheres com mais respeito e liberdade, precisamos revermos esses valores. E um jeito fácil de começar é tomando cuidado com a nossa linguagem.

2. Cuidado com as piadas e expressões sexistas

"Mulher prefere chocolate a sexo."

"Homem é tudo igual."

"Homem de verdade não chora."

"Isso é coisa pra macho de verdade."

O cara perguntou pra loira se o pisca-alerta do carro estava funcionando. Ela olhou com uma cara de confusa e respondeu: tá. não tá. tá. não tá.

(Vai dizer que você não riu?)

O mesmo raciocínio dos xingamentos se aplica às piadas, expressões e falas. Estamos acostumados a achar graça de coisas e fazer comentários que parecem inofensivos mas que na verdade ajudam a reforçar estereótipos de gênero que nos aprisionam.

Piadas de sogra, loira, mulheres no volante, mulheres e compras, entre outras que caricaturizam as mulheres como sendo burras, más, incapazes ou superficiais são um bom exemplo disso. Estão no nosso repertório humorístico desde sempre e rodam muito bem em qualquer almoço de família.

Nada como um esforço consciente pra evitar.

3. Converse com parentes e amigos

Depois que entendemos o problema de alguns xingamentos e piadas é natural que um alerta vermelho se instale na nossa cabeça. A partir daí, a gente começa a notar falas ruins dos nossos amigos, colegas de trabalho e parentes. Um bom jeito de agir é conversar com eles e expor as razões pelas quais aquela fala carrega um viés machista e não contribui pra igualdade de gênero.

Um bom exemplo disso é uma conversa entre pai e filho que ouvi esses dias, na rua:

"Será que aquele menino é viado, Rodrigo?"

"Por que, pai? Só porque ele é quietinho e sensível?"

"É, não sei, ele tem um jeito afeminado."

"Cada um é um, pai. Lembra como eu era tímido? O menino ser delicado não faz ele ser homossexual. E mesmo que se ele fosse, qual o problema? O Teo - filho da tia Leila -  é, e você adora ele."

São conversas como essa, entre pessoas próximas, que se admiram e confiam uma na outra, que fazem com que a transformação real e cotidiana aconteça.

Mas calma: se não existe vontade ou abertura pra um papo honesto, o melhor mesmo é ensinar pelo exemplo. Aí, é só seguir atento as suas próprias falas e atitudes.

4. Dar mais espaço pras crianças se desenvolverem integralmente

Aprendemos, desde cedo, que existem atividades de menino e outras de menina. Isso fica bem claro nos esportes e nas brincadeiras infantis. Ballet é coisa de menina, enquanto futebol é coisa de menino. Brincar de boneca e de outras coisas conectadas a atos de cuidado, como casinha e culinária é coisa de menina, enquanto brincar de carrinhos e de luta é coisa de menino.

Por que meninas não podem brincar com super heróis?

Pensando bem, essa categorização não faz muito sentido. Primeiro de tudo, somos seres complexos, e nossos interesses não são definidos pelo fato de sermos meninos ou meninas.

Depois que, na vida real, podemos (e muitas vezes temos) que desempenhar várias funções: uma mulher também tem que dirigir e trabalhar fora, e homens também tem que cuidar dos filhos e cozinhar. Então por que é que seria estranho ver uma menina com interesse em caminhões, ou um menino brincando de cozinhar?

Fazer com que meninos exercitem algumas atividades específicas e meninas outras pode acabar impedindo que as crianças desenvolvam habilidades multiplas, úteis pra vida adulta, estimulando uma segregação de papéis entre homens e mulheres. Não a toa vemos homens com dificuldades em exercer paternidade, demonstrar carinho e afeto, e menos mulheres do que homens em destaque nos esportes, por exemplo.

5. Reflita sobre pornografia

A palavra “pornografia” vem do Grego porne, que significa “mulher escrava sexual” e grafos que significa escrita. Na Grécia Antiga, porne se referia à classe mais baixa de prostituas, considerada vil, indigna e que estava lá para ser usada.

 

Assunto polêmico, mas importante.

Além da objetificação da mulher, tratada pela indústria pornô como algo disponível pro consumo dos homens, o pano de fundo do mercado pornográfico é marcado por maus tratos às atrizes, tráfico de pessoas (principalmente meninas e mulheres), estupros e drogas.

Além disso, é comum a associação de pornografia com comportamentos machistas e violentos por parte dos homens.

"Em um estudo inicial conduzido pelo psicólogo Neil Malamuth, homens saudáveis sem histórico criminal foram expostos a 10 minutos de pornografia “hard core”. Depois da exposição, foi pedido a eles que respondessem questões como se “havia alguma vez que uma mulher “merecia” ou gostava do estupro”. Os homens que haviam assistido pornografia esmagadoramente concordaram com os mitos sobre estupro, de uma maneira que não ocorreu com o grupo de controle. Incontáveis estudos desde então mostraram que a exposição à pornografia dessensibiliza os homens para a violência contra a mulher, frequentemente moldando sua sexualidade de uma maneira que os torne incapazes de ter experiências de excitação sem algum elemento de dominação ou violência."

Ambos os trechos são do texto Whose porn, whose feminism, de Maya Shlayen.

Quando descobri o que estava por detrás do mundo pornô, no começo do ano passado, parei de acessar sites e conteúdos pornográficos sobre os quais eu não tinha informações técnicas e comecei a ter bastante cuidado com os cliques que eu dava: passei a ficar longe de vídeos com qualquer conexão com pedofilia, violência contra a mulher e apologia ao estupro.

Então, antes de consumir pornografia, pense duas vezes. Se for ver, pegue leve e opte por diretores e sites que tentam produzir conteúdo erótico com respeito às mulheres (é o caso, por exemplo, do X-art e da diretora Erika Lust).

Erika Lust: "Será que não é possível filmar sexo real com o cuidado de olhar para os detalhes, personagens mais complexos e situações com as quais podemos nos identificar?"

6. Apoie você mesmo projetos relacionados à igualdade de gênero

Cada vez mais surgem projetos pra tratar do assunto, com vários recortes diferentes: feminismo, feminismo interseccional, gênero e sexo, transsexualidade, violência contra a mulher, prisões masculinas, e por aí vai.

Desde ONGs e grandes projetos aprovados em leis de incentivo até projetos menores em financiamento coletivo, qualquer marca, empresa ou pessoa pode financiar - com dinheiro, serviço ou outras colaborações - pra que a conversa sobre igualdade de gênero se amplifique e a mudança cultural acontença o quanto antes.

Nosso dinheiro está por aí, circulando e financiando coisas o tempo todo. Precisamos criar o hábito de colocar nossa grana a favor de coisas benéficas, nas quais acreditamos de verdade.

7. Ajude a impulsionar a carreira e os negócios de mulheres

Historicamente, começamos a estudar há muito pouco tempo. Também, é recente nossa entrada no mercado de trabalho. Não ganhamos os mesmos salários que os homens exercendo os mesmos cargos e quase não ocupamos espaços de poder. Além disso, a grande maioria de nós ainda acumula funções dentro e fora de casa: depois da jornada de trabalho, têm os filhos e o trabalho doméstico.

Mas e aí? O que podemos fazer, no dia a dia, pra mudar isso?

Cada realidade é uma diferente. Um jornalista, por exemplo, pode dar voz a elas buscando entrevistar mais mulheres e usar mais referências de estudos produzidos por mulheres. Pensando nisso, o Talk Olga criou o Entreviste uma mulher, lista de mulheres especialistas em várias áreas diferentes, pra facilitar o contato pros produtores de conteúdo e jornalistas.

Um CEO, ou qualquer um em cargo gerencial, pode tomar diversas atitudes dentro da empresa que favoreça uma mudança de cultura: incentivar a contratação de mulheres, abrir diálogo sobre o assunto e pregar o tratamento igualitario, instituir comissões ou grupos de mulheres que tratem de assuntos ligados à gênero, direitos e necessidades profissionais delas, entre outros exemplos.

Além disso, podemos, no dia a dia de compras e contratações de serviços, dar preferência a elas. É um jeito simples de impulsionar os negócios e carreiras das mulheres, que, socialmente, sofrem restrições e imposições que dificultam o crescimento natural.

Pra facilitar, alguns projetos mapeiam profissionais e empresas de mulheres, como o Mapa das Mina (mapa colaborativo de projetos, negócios e serviços de mulheres), o Espiral (mapa de projetos feministas), o Mamu (mapa de coletivos de mulheres) e as comunidades Compro de quem faz das mina e Profissionais e vagas feministas, no Facebook.

8. Apoie marcas que acreditem na igualdade

Muitas marcas lançam produtos ou desenvolvem campanhas publicitárias que reforçam uma lógica de desigualdade. É bem comum vermos, por exemplo, propagandas de cerveja que objetificam a mulher.

Como consumidores, podemos parar de consumir produtos de marcas que perpetuem machismo através da publicidade. De outro lado, podemos dar preferência pra marcas que produzam, apoiem ou financiem campanhas de igualdade e respeito.

Como consumidores, temos algum poder. Podemos usá-lo pra expressar nosso modo de pensar e agir no mundo.

9. Atenção com o xaveco e com o cavalheirismo

Esse assunto já está batido, mas não custa falar.

"Ei, gostosa!"

"Cadê seu namorado? Tá sozinha?"

A hora do flerte é um prato cheio pra reproduzirmos comportamentos ruins. Cantadas ofensivas na rua e na balada, aproximações invasivas no transporte público, olhares desrespeitosos – tudo isso pode coloca as mulheres em um local de medo, insegurança e objetificação.

O PdH falou tudo sobre o assunto na série Admirável Xaveco Novo, com artigos e vídeos que ensinaram a xavecar sem perder a linha e o respeito.

O Alex Castro também passou por aqui contando porque é que sermos gentis só com as mulheres significa que estamos partindo da premissa de que elas são a parte fisicamente, economicamente, emocionalmente mais fraca.

Se começarmos a pensar no assunto e conectá-lo com a nossa realidade, milhares de ideias do que podemos a fazer nas nossas vidas, trabalhos e áreas de atuação começam a brotar. Desde pequenas ações como um papo com a avó pra tentar entender como ela sofreu desigualdade, parar de rir de piadinhas de mal gosto que os caras fazem todo dia no trabalho com a secretária e não apoiar mais o broder que diz que não lava louça em casa porque isso não é tarefa dele, e sim da esposa, até ações maiores, como criar um coletivo pra discutir machismo na publicidade ou instalar uma comissão de igualdade de gênero dentro da sua empresa.

Na vida real, vale tudo. O importante é começar e entender que, assim como qualquer mudança, é um processo longo. Exige paciência. Não se preocupe em ser perfeito nem adote a postura de apontar o dedo quando vir alguém incoerente. Compreensão e calma são importantes nessa jornada. Vamos dando passos possíveis, nos acolhendo e apoiando.

E vocês? O que já fazem no dia a dia pra gerar mais igualdade entre os gêneros? Quais ideias surgiram com esse texto? Vamos trocar e nos juntar pra fazer boas ideias virarem realidade?

Mecenas: Grupo Boticário

O Grupo Boticário acredita que homens e mulheres são igualmente capazes de construir um mundo mais belo, equilibrado e justo. E que, juntos, conseguimos transformar o ambiente à nossa volta. É por essa crença e por respeitar e valorizar as características individuais de cada um que nos envolvemos em iniciativas como o estudo “Precisamos falar com os homens?” e que assinamos os Princípios de Empoderamento das Mulheres.

E, aqui, deixamos um convite. Vamos, juntos, em busca desse mundo mais justo e equilibrado. Vamos rever papéis, conceitos e atitudes que já não nos servem mais. Vamos transformar realidades e construir um mundo novo. Onde todos buscam fazer o melhor. Onde o que importa é o que você faz.


publicado em 28 de Março de 2016, 10:00
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Anna Haddad

Acredita no poder de articulação das pessoas e numa educação livre e desestruturada. Entrou em crise com o mundo dos diplomas e fundou a plataforma de aprendizagem colaborativa Cinese. Tá por aí, nas ruas e nas redes.


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