5 motivos pra gente não esquecer a MTV Brasil como ela foi um dia

Para muita gente que nasceu perto ou depois de 1990, pode ser que a MTV Brasil não faça sentido algum quando se fala em nostalgia ou molde de caráter. Mas todos aqueles que vieram antes, a Music Television tupiniquim deixa um legado absurdo e será bem triste ver o fim dela.

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Digo isso porque, por muito tempo -- a década todinha de 90, por exemplo -- a MTV foi o norte para quem gostava de música e também de quem era jovem e queria entender mais do mundo.

Era lá, naquele canal UHF, que a gente via quais eram as bandas interessantes no momento, o que tava acontecendo no cenário musical daqui do Brasil e lá de fora. Antes do YouTube (antes mesmo do Kazaa e do Napster), antes dos blogs e sites especializados em música que traduzem em minutos notícias lá de fora, em uma época que se ouvia uma música na rádio e levava semanas para saber quem era aquela banda e o que ela fazia (além daquele single que tocava cortado na FM), a MTV apareceu por aqui pra te contar como era o universo da música.

Já faz uns bons anos que eu sinto saudades da MTV. O começo dos anos 2000 foram bem pesados para a emissora, que se viu em uma jogada (errônea) de baixar a faixa etária de seus programas e entupir a programação com bobeirazinhas, programas de beijo, reality shows sobre o nada, piadinhas rápidas e limitadas.

Nesses anos, além da Internet ter acabado com os vídeo clipes (assim como os clipes mataram a estrela do rádio), a MTV acabou com o nonsense, fechou espaço para debates interessantes e, como haveria de ser, deixaram a música às mínguas.

Temos n fatores que levaram a emissora a virar o que virou e a chegar o ponto de ser abandonada pela Abril. Também temos n motivos para crer que a nova Music Television -- agora de volta à Viacom, empresa que detém a marca -- possa voltar a ter relevância nacional. Mas esse post veio para listar cinco motivos para a gente não esquecer o que a MTV fez por nós como um resquício de esperança de vermos algo bom num futuro próximo.

1. A MTV antes da Internet

Antes da rede mundial de computadores pegar, a gente ouvia música em coletâneas de fita cassete que tinha gravações de rádio, faixas de discos gringos que alguém conseguia, coisa antiga também.

Nisso, a gente passava meses e até anos ouvindo um som que a gente pirava sem ao menos saber as informações básicas sobre elas: nome do som, da banda, em qual disco saiu aquele som, como eram as outras músicas daquele disco, como eram as pessoas que tocavam aquela música tão interessante.

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Quando a MTV pegou por aqui, um mundo novo se abriu como um chute na cara. A gente via quem tocava as músicas, em minutos a gente via os músicos se mexendo, sorrindo, arrebentando a bateria, berrando nos microfones.

Os apresentadores contavam histórias sobre essas bandas, falavam das turnês que eles faziam, dos discos clássicos deles, dos sons novos que pessoas estavam fazendo lá fora, nos Estados Unidos, na Inglaterra.

A gente via entrevistas com esses caras! Kurt Cobain vestido de mulher, Axl Rose falando sobre como o Elton John era o músico que ele mais gostava, os Mamonas Assassinas na estrada, fazendo shows, contando piadas e falando de música. Assistindo duas horas de MTV, você podia facilmente anotar dezenas de bandas para correr atrás, se empolgar com algo ou desgostar de uma banda só pelo jeito com que eles se vestiam em um clipe.

Era uma época que se precisava de paciência para degustar algo. Hoje, você consegue escanear absolutamente tudo sobre uma banda que te empolgou caçando entrevistas e vídeos e discografia e milhares de fotos para, em meia hora, saber se ela te atrai ou não. Antes não, aquele momento era especial a ponto de ter uma entrevista com o Renato Russo -- vocalista da então Legião Urbana -- de uma hora e meia! Não que antes fosse melhor, mas a MTV te dava tudo aquilo que você precisava.

E isso foi importante pra cacete. Além da música, quando a MTV se descobriu como uma emissora jovem e não só musical, a gente podia assistir a conversas e debates que geralmente não rolavam em qualquer lugar. Se hoje a gente pode discutir sobre tudo na Internet, aqueles foram dias em que só a MTV falava sobre amor gay, aborto, trabalho, ambições de vida fora da caixa. Havia programas como o Barraco MTV que discutia, por exemplo, sobre ser certo ou errado bater em seus filhos, uma roda de pessoas que mal haviam chegado aos 20 anos e em um tempo que era padrão dar um safanão no filho assim que ele fazia uma cagada.

E tudo isso sem ruído.

Eu aprendi a ver que pessoas que se interessavam pelo mesmo sexo eram tão ou mais normais que eu, que meter sem camisinha era roubada total, que a gente podia ser diferente, que todo mundo podia trabalhar com outras coisas e explorar outros métodos de vida.

Sem dúvida alguma, a MTV moldou o meu caráter e de muita gente que botava palha de aço na antena pra pegar o UHF.

2. Querer trabalhar na MTV

Link YouTube | Entrevistar o Kurt Cobain em 1993 e ainda bater um papo com ele sobre Os Mutantes. Ess foi o Zeca camargo, que trabalhou na MTV, e o evento foi o Hollywood Rock

Quem nunca quis, em algum momento, ser vj da MTV, ser cameraman da MTV, estagiar lá, ser a pessoa que fica na porta deixando os caras do Raimundos entrar, liberar a catraca para os caras da Nação Zumbi sair, avisar os seguranças que a Britney Spears chegaria em alguns minutos para uma entrevista?

Teve um tempo em que qualquer garoto ou garota entre 15 e 27 anos queria, mais do que qualquer emprego multimilionário, trabalhar na MTV, tomar uma cerveja com sua banda favorita na padaria Real (que não é padaria), ganhar passagem garantida no VMB.

Mas, mais do que isso, trabalhar na MTV, pra quem era moleque (ou moleca) denotava alguns pontos muito importantes para quem ainda estava em formação:


  • Você manjava de música;

  • Você tem liberdade para pirar;

  • Você vê os episódios do Beavis and Butthead antes de todo mundo;

  • Você é uma pessoa mais livre que muitas outras pessoas.

O canal mostrou pra muita gente que dava pra fugir do esqueminha advogado/administração/engenharia/medicina. Você podia trabalhar com arte, com música, com comunicação, fazer vídeos, escrever coisas. Novamente, com a MTV, um mundo se abria.

3. Estagiários malucos

Foi quando o nonsense entrou na televisão brasileira.

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Sim, a gente teve o TV Pirata antes, mas nada foi, é e nem será tão sem forma ou propósito quanto as vinhetas da MTV. Era uma doideira desvairada, alucinada, desprovida de qualquer começo/meio/fim. Era um momento lindo de, entre um bloco e outro do seu programa favorito, ver algo que derretia seu cérebro em 30 segundos.

Ok, a televisão sempre serviu pra isso, pra queimar alguns neurônios. Mas, já que era pra servir à cerne da coisa toda, as vinhetas malucas da MTV faziam isso com estilo.

Animação em desenho, stop motion, bizarrices gráficas ou truques toscos de edição de vídeo que faziam a meninada vibrar, principalmente quando os pais passavam pela sala e reclamavam de não entender nada do que estavam olhando. Se seus pais não entendiam nada, isso só queria dizer que -- quem quer que tivesse feito a loucura e colocado no ar -- estava tudo no caminho certo.

Obs: por que "estagiários malucos"? Quando eu era moleque, a gente falava que só podia ser uns estagiários chapados que colocavam essas vinhetas pra rodar, uns estagiários que ficavam de plantão no prédio da MTV e, quando ninguém estava olhando, eles tocavam o puteiro e botavam as vinhetas psicotrópicas.

4. VJs que manjavam de música

Antes de a MTV Brasil se ver enfestada de atores, comediantes e menininhas de pele rosada vestidas de cosplay mostrando vídeos de gatinhos da internet, o canal já foi celeiro de muita gente que manjava -- e muito --  de música.

Programas como o Gás Total, Lado B e Território Nacional traziam muita informação útil sobre o universo musical e eram capitaneados por pessoas das mais gabaritadas. Gastão Moreira, o "Reverendo" Fabio MassariEdgard Piccoli. Novamente, assistindo três ou quatro programas em uma tarde qualquer, dava pra anotar centenas de nomes de bandas, músicas e discos pra se escutar.

A MTV perdeu muito do seu mojo quando deixou de lado pessoas que sabiam usar o acervo fantástico da emissora para fazer graça ou criar catarse em pré-adolescentes. Mesmo programas que poderiam ser taxados de mais bobinhos, como o Quiz MTV ou o Pé na Cozinha tinham sua relevância, levavam pessoas interessantes e tocavam em assuntos musicais ou de formação que valiam a pena.

E não é nem o caso de, hoje, eu ser uma pessoa mais velha do que no meio dos anos 90. Eu adoraria ver, hoje, algum programa na televisão falando sobre como usar a camisinha, sobre como não hostilizar alguém por sua orientação sexual, sobre os medos que aparecem antes de entrar na faculdade, enfim, qualquer debate de formação de caráter. Só que, depois, o que se via era apenas o entretenimento disso (o primeiro beijo gay na MTV foi algo importante, mas depois só vieram  repetições da fórmula, sem nenhuma conversa ou lição por trás).

O "reverendo" Fabio Massari e o Grastão Moreira
O "reverendo" Fabio Massari e o Gastão Moreira

5. Garoto Enxaqueca

Uma tirinha de 1992 se transforma nas vinhetas mais insanas da televisão.

Garoto Enxaqueca (no original em inglês: Migraine Boy) é uma tirinha criada pelo cartunista Greg Fiering em 1992, que foi veiculada em várias publicações impressas e, posteriormente, transformada em vinheta pela MTV por aproximadamente um ano.
Geralmente em preto e branco e composta de seis quadrinhos, as histórias se passam num jardim típico de um subúrbioestadunidense e trazem um menino mal-humorado que sofre deenxaqueca crônica, e sua interação com a vizinhança que constantemente se aproxima tentando estabelecer com ele uma relação de amizade.
As histórias possuem um senso de humor muitas vezes absurdo, com reações exageradas do Garoto Enxaqueca reagindo violentamente à irritação causada pelo seu vizinho.
Wikipédia

Hoje as pessoas veem valor no que é feito na Internet. Uma tirinha pode virar um livro que, posteriormente, é adaptada em série e filme e por aí vai. Mas, na década de 90, quem poderia imaginar que um quadrinista de Seattle, extremo noroeste dos Estados Unidos, seria procurado pra que suas tirinhas malucas virassem animações de 30 segundos para serem veiculadas na televisão?

A MTV abria portas para experimentações que faziam a molecada parar um pouco pra pensar o que era e o que não era. A Music Television Brasil foi um canal que dava espaço e que explorava. Experimentava.

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É tudo o que você quer fazer quando se tem dezesseis anos, dezenove anos, vinte e cinco!

Quais méritos não precisamos entrar

"Você cresceu, cara!"

Sim. Mas enquanto eu crescia, a MTV não estagnava (no melhor sentido da palavra), mas regredia a idade média de seus telespectadores sem querer fazê-lo para abrir a cabeça de outro público – mas sim para vender mais e fidelizar mais.

"Mas os caras precisavam fazer grana! Tanto que a MTV tá acabando porque não faz dinheiro."

Perfeito. E eu não tiro a razão dos encarregados pela emissora, nem de tentarem ganhar dinheiro e nem de tentar esquemas que não me agradam para isso. Só lamento que houve uma época que eles podiam fazer o que viesse à cabeça sem ter que pensar em grana. E isso foi genial. Assim como eu sempre achei o máximo a parada toda que rolava com o Pasquim, um semanário importantíssimo da década de 70 e 80 que sempre esteve a beira da falência, chegando a ser bancado muito tempo por figuras como o Chico Anysio. A porra nunca deu grana, mas foi lindo demais enquanto durou.

"A MTV vai continuar"

Se há uns 10 anos a MTV não é mais tudo isso que eu comentei, não vai ser agora que voltará a ser.

"Então, por que lamentar?"

Não teria graça alguma se, nesse eterno embate de geração, eu não pudesse olhar pra trás com ternura.

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Que a MTV descanse em paz, mas que  nunca esqueçamos.

Solte o seu melhor

Hermes e Renato, Beavis and ButtHead, Jackass, Garganta e Torcicolo (os programas do João Gordo), Os Piores Clipes do Mundo, MTV na estrada, os acústicos, Rock Gol, Fudêncio.

Manda bala aqui embaixo, nos comentários, o que tinha de foda na MTV Brasil. Bota link, bota fotos, bota vídeos. Manda bala.


publicado em 26 de Agosto de 2013, 21:01
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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